O Globo destaca vitória do Baraúnas sobre o Vasco (Foto: Reprodução/O Globo)
O
ano era 2005 e a competição, a Copa do Brasil. Vestindo sua camisa
tricolor, um pequeno clube do interior do Rio Grande do Norte fazia
história. Depois de eliminar o América-MG nos pênaltis e o Vitória,
dentro do Estádio Barradão, em Salvador, o Baraúnas chegava às oitavas
de final da segunda competição mais importante do país para enfrentar o
Vasco. No primeiro jogo, em Mossoró, a 285 km de Natal, o empate por 2 a
2 parecia encaminhar a classificação
do Cruz-Maltino às quartas de final. Porém, a ousadia do time
mossoroense foi maior.
Um surpreendente 3 a 0 em pleno São Januário. O
resultado tomou proporções ainda maiores porque, um ano antes, o Vasco
deixava a mesma competição ao ser eliminado pelo 15 de Novembro de Campo
Bom, do Rio Grande do Sul. "Chocolate", "papelão" e "humilhação" foram alguns dos termos usados para
descrever o vexame que o clube da Colina passava. O
GloboEsporte.com foi atrás de alguns dos personagens deste jogo e conta um pouco mais dessa história (
relembre acima no Baú do Esporte). A gente sabia que era uma equipe que, jogando em São Januário, era
muito difícil ganhar, mas a gente também sabia que tinha possibilidade
de conseguir a classificação como aconteceu das outras vezes, porque a
gente já tinha eliminado o América-MG e o Vitória, e chegamos para esse
jogo acreditando que era possível. Passamos um sufoco nos primeiros 15 a
20 minutos, mas depois fizermos o gol e demos uma controlada no jogo -
lembra Isaías, goleiro do Baraúnas na época. Isaías
continua envolvido com o futebol e trabalha como treinador e auxiliar
técnico. Aos 41 anos, o ex-goleiro mora em Mossoró. Ele comandou o
próprio Baraúnas durante algumas rodadas do Campeonato Potiguar deste
ano, mas acabou deixando o clube e aguarda propostas de trabalho. O time, com Miluir (Macedo, técnico do Baraúnas), treinou às 10h da manhã, em São Januário, no
dia do jogo. Enquanto a gente treinava, os jogadores do Vasco, que
estavam concentrados lá mesmo, não acreditaram que era o time que ia
jogar na mesmo noite contra eles - conta. Os atletas do Leão
já estavam acostumados à filosofia diferente implanta por Miluir Macedo.
O artilheiro da equipe, Cícero Ramalho descreve a forma de trabalho
implantada pelo treinador. Aos 40 anos naquela época, o atacante não
fugia dos treinamentos e servia de exemplo para os mais novos. Muitos deles (jogadores do Vasco) se admiraram por Miluir ter uma
filosofia europeia. Ele trabalhou muito tempo em Portugal e eu também
joguei na Espanha, e realmente existe esse costume. O Miluir fez isso
(treinar no dia do jogo) e, como aqui não existe essa cultura, eles
ficaram impressionados. Mas era só um treino relaxante para você suar e
ficar mais esperto. Realmente o Miluir sempre fazia isso - declara o
ex-atacante.
"É
um jogador que a gente viu jogando no primeiro jogo, é perigoso e a
gente tem que ter atenção nele". Foi assim que Romário descreveu Cícero
Ramalho antes de a partida começar. O baixinho nem imaginava, mas, 26
minutos depois daquela entrevista, Cícero Ramalho abria o placar do
jogo, no dia 20 de abril daquele ano. Após cruzamento na área, o
artilheiro do Leão se antecipou à zaga e ao goleiro Fabiano Borges para
completar para as redes o cruzamento de Val - hoje no Mogi-Mirim e que
recentemente vestiu a camisa do Flamengo e do América-RN. Na segunda
etapa, já sem seu artilheiro em campo, o Baru marcou mais dois para
fechar a conta. Álvaro e Henrique garantiam a passagem de fase para
encarar o Cruzeiro. No encontro com a Raposa, acabava a Copa do Brasil
para o Leão, mas a história já havia sido escrita.
Cícero Ramalho e Isaías fizeram dobradinha no comando
do Baraúnas em 2014 (Foto: Augusto Gomes)
Romário já tinha 39 anos e o "Cícero Romário" havia
chegado aos 40 naquele ano. A idade não os impedia de seguir marcando gols. Como eu tinha 40 anos e Romário também tinha perto disso, a mídia criou
aquele duelo. Antes do jogo, ele foi muito atencioso comigo, me
cumprimentou e me desejou sorte. Por tudo que ele fez no futebol, as
pessoas podem ter uma ideia que ele é meio marrento, mas comigo foi
muito tranquilo. Ele já veio a Mossoró tratar de assuntos políticos duas
vezes, mas nunca tive a oportunidade de ter um reencontro - lamenta
Cícero. Hoje em dia Cícero trabalha como técnico de futebol.
Ele continua morando em Mossoró e tem um chamego especial por sua
propriedade na área rural da segunda maior cidade do Rio Grande do
Norte. Moro em Mossoró e tenho um terreno na área rural,
onde planto milho, feijão, limão, essas coisas. Eu quero muito bem a
isso aqui. É o meu lugar, de onde eu vim. É gostoso o descanso aqui no
final de semana, também chamo os amigos e a gente toma uma cervejinha,
come um churrasquinho - revela.
Para
Nildo(Foto), zagueiro titular da equipe na época, sobrou a
responsabilidade de parar um ataque formado por Romário e Alex Dias. Ao
lado de Pedroza, ambos cumpriram a missão com sucesso. A
gente nunca esperava jogar contra ele. Via ele jogando na TV e não
esperava, mas acabou acontecendo. Tentamos eliminar ele e, graças a
Deus, deu certo. Eles também tinham Alex Dias, que corria bastante, e
o Romário já estava parando, mas é um cara que impõe respeito - alega. Aos
38 anos, Nildo segue atuando. O zagueiro é o único daquele time de 2005 que
segue no Leão. Ele lembra que perdeu para o companheiro de zaga o duelo
pela camisa do baixinho. Cheguei a pedir a camisa, mas
ele já havia prometido ao outro zagueiro, o Pedroza. Ele foi muito
tranquilo com a gente - recorda. O grande diferencial, segundo Nildo, foi a maneira como o Baru foi para o campo de jogo. O principal fator foi a motivação como a gente encarou a partida. A
gente se fechou. A gente sabia que o Vasco era melhor. Ninguém esperava.
Nem nós jogadores. Mas nós conseguimos segurar a pressão e fizemos o
resultado lá dentro - declara.
O
jornalista potiguar Sérgio Pinheiro foi o responsável por contar ao
país a
história daquele jogo. A reportagem de encerramento do Globo Esporte
ficou a cargo do repórter recém-chegado à Cidade Maravilhosa
. Na coletiva de imprensa, na véspera do jogo, eu perguntei ao Joel
Santana se ele conhecia o 'Cícero Romário', mas no Vasco todo mundo ficou
na galhofa. No outro dia teve o jogo, eu fui fazer, e acabou que deu uma
história sensacional. O jornal O Globo já tinha feito uma matéria
falando dele como Cícero Romário, então perguntei ao Romário se ele
conhecia o Cícero e ele respondeu: "se é Romário, é porque é bom". Se o
Vasco ganha, era o óbvio e acabou que deu Baraúnas. A gente encontrou
uma senhora que foi de ônibus só pra ver o jogo. Essa matéria me marcou
muito porque foi logo na minha primeira semana e foi muito importante
para mim. Um desfecho improvável, mas fantástico para quem gosta das
histórias da bola, ainda mais para mim que tenho uma empatia com o
Baraúnas, e sou de Natal. Foi marcante - relembrou.
Um
detalhe sobre a carreira de Cícero Ramalho é que ele já havia parado de
jogar dois anos antes do histórico duelo contra o Vasco. A técnica e o
poder de finalização do matador supriram os problemas com a parte
física. No início da temporada, o "ex-aposentado" estava pesando 103
quilos. - Eu já havia parado de jogar. Em 2003 e 2004 não
joguei porque já estava aposentado. Em 2004, eu era treinador do
Baraúnas no estadual e todo mundo queria que eu voltasse a jogar. Quando
assumi o Baraúnas, os meus atacantes perdiam muitos gols, aí eu tive
que voltar. Lembro de um jogo que meu atacante perdeu um gol, aí me
virei para o banco e falei: "não tem jeito. Vou ter que voltar". Prometi
ao João Dehon, presidente do clube na época, que se a gente conseguisse
a classificação para a Copa do Brasil do outro ano eu voltaria.
Conseguimos a classificação e eu voltei a jogar. Eu estava com 103
quilos e tivemos que fazer um trabalho especial para poder jogar -
relembra. Com o matador ainda longe da forma física ideal e idade avançada, o time era montado em função do jogador. Cícero já era um cara que estava encerrando a carreira. A gente jogava
com um time montado para dar o suporte a ele, para que, quando a bola
chegasse, ele fizesse o que fazia de melhor, que era definir as jogadas.
Eram dois volantes, três meias e só o Cícero na isolado na frente -
descreve Isaías.
A chegada ao Rio Grande do Norte foi o que fez cair a ficha do elenco de jogadores tricolor. Foi uma surpresa muito grande porque a cidade parou. Foi uma viagem
longa porque pegamos o ônibus em Natal e a cidade estava tomada de gente
com uma festa dos torcedores porque era um grande feito - afirma
Isaías. Cícero Ramalho conta que a equipe teve que esperar uma hora após o apito final para poder deixar o estádio vascaíno. Quando terminou o jogo lá, a gente teve uma hora e meia depois do jogo
no vestiário e não tinha água, nem luz. Esperamos a torcida sair para
poder ir para o hotel. No fim, fomos para o hotel tranquilos, mas a
ficha não caiu. O que me surpreendeu mais foi a chegada a Natal. Quando
chegamos ao aeroporto, ele estava lotado de camisas do ABC, do
América-RN e do Baraúnas. Quando chegamos a Mossoró, pessoas até com
camisa do Potiguar estavam nos esperando. A ficha ainda não tinha caído,
aí quando vi aquilo foi que pensei que a gente tinha feito alguma coisa
grande. Foi bonita aquela recepção - narra o ex-atacante.
Depois
daquele jogo, o Baraúnas enfrentou o Cruzeiro pela Copa do Brasil. Um 7
a 3 no Nogueirão e um 5 a 0 no Mineirão acabaram eliminando o time
mossoroense da competição. Mas a história já estava feita. Até hoje, onde eu chego, todo mundo lembra dessa história. É gratificante. A galera não esquece - sintetiza Cícero Ramalho.
Por Carlos CruzNatal