Mais de 30 anos dedicados ao futebol e muitas histórias para contar. A
vida de Ferdinando José Araújo Teixeira, de 69 anos, certamente daria
enredo para um bom livro. E um dos capítulos, com certeza, seria sobre o
Alecrim. Ex-técnico e professor aposentado,ainda se emociona quando
relembra o período em que vestiu, segundo ele, com muito carinho e
orgulho, a camisa do Verdão. Títulos importantes, como o bicampeonato
estadual em 1985 e 1986, enchem de orgulho o "Professor", como era
conhecido pelos jogadores e dirigentes.
Mas
para começar a contar a história de Ferdinando no Alecrim, devemos ir
ao ano de 1974, quando o então professor de Educação Física do antigo
ETFRN (hoje IFRN) foi convidado pelos dirigentes do clube para assumir o
comando técnico da equipe, que se preparava para o Campeonato Potiguar.
Naquele tempo, Ferdinando confessa que já era torcedor do Verdão, por
conta do primeiro bicampeonato do clube, em 1963 e 1964, no ambos
conquistados no Estádio Juvenal Lamartine.
LEIA MAISFOTOS: Confira ensaio da musa do centenário do AlecrimCom nome de bairro popular, Alecrim foi fundado no coração de Natal
É uma relação de muito carinho, de muito agradecimento. Eu já era
torcedor do Alecrim desde 1964. Em 63 e 64 o Alecrim foi bicampeão no
Juvenal Lamartine, e eu passei a torcer pelo Alecrim, eu era meninão,
garotão. O Alecrim me abriu as portas para o futebol, essa é a
realidade. Eu fui trabalhar um ano de graça, como estágio, para aprender
um pouco mais de futebol, porque eu já era professor na Escola Técnica
naquele tempo. Eu vinha do futsal e a direção me mandou fazer o futebol
de campo. Como eu não tinha muita experiência, fui para o Alecrim para
aprender como era o esporte, mesmo naquele tempo que é totalmente
diferente do de hoje - contou. Ferdinando
conta que tanto ABC como América-RN, clubes que já haviam conquistado
mais títulos estaduais do que o Alecrim, não dariam uma oportunidade
para um recém-formado, chamado pelos dirigentes de "professor de
colégio". Em uma visita ao antigo estádio, usado atualmente para
competições de categorias amadores, Ferdinando lembrou dos dias em que
assistiu aos jogos ao lado do pai e, depois, de quando assumiu o comando
técnico do clube de coração. Naquele tempo, ABC e América-RN
dificilmente abririam as portas para um professor jovem, como diziam que
era 'professor de colégio'. Por isso, minha relação de muito carinho e
de muito agradecimento pelo clube - analisou. Ao
término do estadual, Ferdinando deixou o Alecrim. Não para sempre.
Voltaria 11 anos depois, mais experiente, trazendo na bagagem um título
conquistado de forma impressionante. Venceu os três turnos do estadual.
Em
1985, o Alecrim montou um timaço para quebrar a hegemonia de ABC e
América-RN, que se revezavam no posto mais alto entre os clubes
potiguares. Para tanto, além do "professor" para comandar o time,
garimpou jogadores com perfis bem distintos, mas que formaram uma
seleção. No primeiro título, a equipe era formada com César, Saraiva,
Lúcio Sabiá, De Leon e Soares; Carlos Alberto, Didi Duarte e Odilon;
Curió, Freitas e Edmo. No ano seguinte, entraram Ronaldo na zaga, Doca
no meio-campo e Baíca no ataque.
Alecrim conquistou o segundo bicampeonato potiguar
em 1985 e 1986 (Foto: Reprodução)
Nós tínhamos muita qualidade. Eu tinha dois ou três 'carregadores de
piano' e o resto era de muita qualidade. Esses três eram brutos, que
chegavam firmes na bola, mas o restante tinha muita qualidade, por isso
que a gente fez aquilo tudo. Nessa hora, prevaleceu a qualidade e o
engajamento. Todo mundo se dispôs a participar para ganhar, não era só
para participar do campeonato - lembrou. Em 1985, o Alecrim
venceu o segundo e o terceiro turnos e foi para decisão contra o
América-RN. O placar acabou em 2 a 0 para o Verdão. Já em 86, os títulos
do primeiro e terceiro turnos levaram o time a mais uma final, desta
vez contra o ABC. O empate sem gols deu o bicampeonato ao clube
alviverde. A conquista estadual garantiu o clube no Campeonato
Brasileiro da primeira divisão, mas a campanha ruim, com seis derrotas,
três empates e apenas uma vitória eliminou a equipe potiguar da
competição.
A
partir de 1987, Ferdinando Teixeira passou por outros clubes
nordestinos e chegou a treinar até um clube do exterior, no Catar. Foi
para o ABC e um ano depois para o América-RN, quando conquistou o
bicampeonato estadual, em 88 e 89. Ausente por quatro anos, de 1991 a
1994, voltou a trabalhar em 1995 no Potiguar de Mossoró, apenas no
primeiro turno, quando se transferiu para o ABC e conquistou o estadual.
Em 96, levantou a taça do primeiro turno pelo Alvinegro, mas
se transferiu para o América-RN no segundo turno, quando venceu a
disputa e foi campeão geral. A partir dos anos 2000, fez história no
Fortaleza, onde passou quatro vezes. Ainda treinou o Botafogo-PB, CSA,
Ceará, CRB, Santa Cruz, Campinense e o Al Arabi, do Catar.
Rebaixamento: mancha negra
Em
2009, o Alecrim conquistou o acesso à Série C, em campanha que empolgou
os torcedores no Machadão. No ano seguinte, o objetivo era fazer ainda
mais bonito. Ferdinando foi chamado para o que seria a sua última
passagem pelo Verdão. A expectativa era brigar, pelo menos, pela
classificação à segunda fase. Contudo, em oito jogos, o time não
conseguiu mostrar um bom rendimento - com duas vitórias, quatro empates e
duas derrotas. Na última rodada, mesmo com chance de avançar, acabou na
última colocação do grupo B por uma combinação de resultados e foi
rebaixado.
Alecrim empatou com o ABC, no antigo Machadão, em 2010
(Foto: Júnior Santos / Tribuna do Norte)
A
queda provocou uma grave crise financeira ao clube, que já não era tão
agradável. As contas estavam tão apertadas que o próprio Ferdinando
Teixeira trabalhou no clube de graça, e ainda ajudou a compor a folha
salarial dos jogadores. Para o ex-treinador, o capítulo ficou marcado
como a mancha negra no seu currículo.
Eu nunca tinha sido
rebaixado e fui rebaixado logo com o meu time de coração. Era um time
que eu estava ajudando a pagar para jogar, e eu estava trabalhando de
graça. São as coisas do futebol. Mas é a mancha negra que eu tenho na
minha carreira completa, não só no Alecrim. Quem vive no mundo do
futebol, infelizmente, é passível dessas coisas - concluiu.
Por Jocaff SouzaNatal