Sem
receber salários há quase três meses, treinando em campos sem condições
de jogo, sofrendo com a falta d'água nos vestiários, sem comida
adequada no alojamento do clube... Ruy Cabeção cansou. Bateu a
indignação no jogador contratado pelo Alecrim no início de 2013 com
status de estrela do Campeonato Potiguar. Após quase um ano em Natal,
ele foi informado nesta semana que estava fora dos planos do clube e se
diz decepcionado com o tratamento dado pelo presidente do Verdão e
principal investidor da equipe, o inglês Anthony Armstrong-Emery. Para o
jogador, o empresário precisa arcar com os compromissos financeiros
firmados, já que o contrato do atleta foi renovado até 2016.
Ruy Cabeção lamenta desgaste em acerto sobre sua saída
do Alecrim (Foto: Jocaff Souza)
Em entrevista ao
GLOBOESPORTE.COM,
o experiente volante mostrou-se triste com o episódio e relatou que
assinou com o Alecrim depois de rejeitar propostas de outros clubes
brasileiros, por acreditar no projeto de reestruturação do Verdão
potiguar, que utilizaria sua imagem a favor do marketing do clube. Eu faria um ano de clube em janeiro e, nesse tempo, tudo o que me foi
mostrado e prometido ainda não aconteceu. A gente não sabe o dia de
amanhã e da mesma forma que ele (Anthony) me prometeu, as coisas ainda
podem surgir. Eu vesti a camisa do Alecrim, principalmente, por querer
ajudá-lo. Mas fiquei decepcionado com a demora. Cansei de ligar para os
telefones dele, mas infelizmente é impossível falar com ele. Eu nunca
passei por isso na minha vida - lamentou o jogador. O
volante disse que enfrentou situações difíceis junto aos companheiros,
porque ouvia as reclamações dos demais atletas e acabou servindo como um
“porta-voz” do grupo junto à comissão técnica e aos diretores. Como o
atraso salarial atingiu todos os jogadores, inclusive os atletas do
sub-20, Ruy chegou a ser mal visto no grupo, pois pensavam que ele
recebia os vencimentos em dia. Eu fui até acusado por
alguns jogadores do grupo porque eles achavam que o meu salário estava
em dia, justamente porque eu era contra certos tipos de comportamentos,
principalmente com relação à greve, que era um tema muito forte entre
todos. Eu fui contratado para ajudar o pessoal da empresa patrocinadora a
reestruturar o futebol do clube e meu telefone não parava de tocar com
as ligações dos meninos (jogadores), por questões complicadas na Casa do
Atleta, a respeito da falta de pagamento da conta de energia ou em
relação aos jogadores que moravam em apartamentos e estavam com os
alugueis atrasados - explicou. Segundo Ruy, as instalações
eram “péssimas” no alojamento que recebia parte dos jogadores
profissionais e dos atletas da categorias de base. Com o atraso nos
salários dos demais funcionários do clube, as cozinheiras e os
funcionários da limpeza pediram demissão. Para o jogador, as condições
no clube eram piores do que em clubes amadores. Precisamos
ter respeito aos clubes amadores, porque, quando a gente pensa em
amador, vem na cabeça uma coisa abaixo do nível normal. Nós jogadores
não tínhamos bolas nem roupa limpa para usar. Nos treinamentos, não
havia médico nos acompanhando - criticou.,
Ruy
Cabeção esteve por duas vezes esta semana no escritório da empresa
patrocinadora do Alecrim. Para auxiliar nas conversas, o advogado do
atleta, Antônio Sérgio Figueiredo Santos, veio de Belo Horizonte e
afirmou que nunca havia presenciado um desrespeito tão grande com um
jogador de futebol, principalmente com uma carreira de reconhecimento
nacional. Segundo o advogado, a intenção é manter um diálogo com a
diretoria do clube para que haja um acerto amigável entre as duas
partes. Caso contrário, a situação deverá ser resolvida na justiça. Fiquei estarrecido com o tratamento dado ao Ruy. Fomos por duas vezes
ao escritório da empresa do presidente e sequer fomos recebidos pela
diretora, que é filha do presidente do clube. É uma situação
constrangedora para um trabalhador ter que ficar tomando um 'chá de
cadeira' para aguardar uma resposta e ela não aparecer - contou. Ruy
contou que passou quase 10 horas sentado na recepção da empresa, na
última terça-feira, à espera de uma resposta. Na quarta-feira, tiveram
um encontro com o advogado que representa a empresa e, mesmo assim, não
obteve uma resposta. Na empresa, fui tratado de uma forma
desrespeitosa, porque um trabalhador que chega às 11h e sai às 19h30
para reivindicar apenas uma coisa que é de direito, que é o salário... O
que fiz no clube já foi feito, a patrocinadora que arque com as suas
consequências. Quando passei por outros clubes, eu saí com as portas
abertas. Dessa vez, se for necessário, eu e meu advogado iremos à
justiça - afirmou.
clube tenta reconciliação
Washington Fernandes falou em nome do
Alecrim (Foto: Jocaff Souza)
De
acordo com o vice-presidente do Alecrim, Washington Fernandes, os
repasses financeiros da empresa que patrocina o Alecrim, que são de
origem estrangeira, atrasam devido ao valor elevado das transferências,
já que todo o dinheiro precisa ser declarado de forma precisa, conforme
exigências da legislação brasileira. O dirigente disse que os
vencimentos em atraso dos jogadores devem ser regularizados até a
próxima semana. Estamos conversando sempre com a
patrocinadora para que ela credite até o início da semana e tudo esteja
em ordem. Como eles trabalham com dinheiro internacional, às vezes essa
viabilização leva tempo. Já colocamos em dia, no mês passado, uma boa
parte dos vencimentos e esperamos que até a próxima sexta-feira, esteja
tudo em ordem, pela promessa que ele fez e as remessas que a empresa
fará - falou. Sobre a saída de Ruy Cabeção do elenco,
Washington acredita que falta um diálogo mais próximo entre a direção do
clube eu próprio jogador. Ruy ainda é atleta nosso, não
houve distrato. Então, se ele tomar uma posição que seja favorável
continuar conosco e derem certo as negociações, é de pleno prazer tanto
da torcida quanto do conselho, porque Ruy é um atleta que faz jus à
imagem que ele tem junto ao público. O Alecrim preza muito que seja
satisfatório para os dois lados, principalmente pelo carinho que a
torcida tem com o Ruy e o próprio conselho do clube e a diretoria, que
gostam muito dele tanto como atleta como pessoa. É louvável que as
coisas terminem num bom senso - almeja.
'Vou jogar por mais três anos'
Apesar
de enfrentar uma situação de atraso salarial e de ser dispensado pelo
Alecrim por conta dos altos salários, Cabeção disse já ter propostas de
outros clubes do país. Segundo o jogador, a ideia é voltar a atuar em
Minas Gerais, terra onde nasceu, para estar mais próximo à família e aos
amigos.
Com 35 anos, Ruy Cabeção quer jogar mais três temporadas
(Foto: Jocaff Souza)
O
jogador adiantou que recebeu um contato de um time do interior mineiro e
que pretende resolver a pendência financeira com o Alecrim o mais
rápido possível para voltar a jogar futebol. A ideia é jogar bola por
mais três anos ou até as pernas “aguentarem”. Eu vou seguir meu
caminho e graças a Deus, existem pessoas competentes para me ajudar na
carreira e me livrar dessa situação o mais rápido possível. Mas meu
projeto no futebol continua. Minha ideia é jogar por mais três anos até
minhas pernas aguentarem. Quero saber delas depois desse tempo eu ainda
seguirei no futebol. A partir do momento em que não tiver condições de
jogar, eu vou parar - concluiu o jogador.
Por Jocaff SouzaNatal